sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

REFLECTIR SOBRE O VIVIDO


APRENDER COM A EXPERIÊNCIA...ESCREVER HOJE AQUILO QUE NA ALTURA GRAVEI


Gostaria de poder aqui reflectir sobre 2 situações que me trouxeram ensinamentos significativos:

1 - A situação do D. criança de 3 anos, idade do meu sobrinho na altura, que após 45 minutos de manobras de reanimação foi declarada morta às 4h30m. De imediato me apressei a retirar tudo o que de invasivo a criança tinha para enviar a para a morgue. O sentimento de impotência e de falência de tudo aquilo que somos era uma constante em mim. Eis que tiro o tubo endotraqueal e o D. de 3 anos começa a apresentar um ou dois movimentos respiratórios. De imediato tudo o de invasivo começa e mais 40 minutos de massacre perante uma criança morta continua, na esperança de devolver algo perdido à já muito tempo. Volta-se a confirmar o óbito. No final da noite a Enfª especialista deu-me uma “aula” sobre reflexos, sobre estímulos, sobre como agir numa situação destas. Enfim aprendi a não lidar com a ilusão de algo que todos queríamos que existisse mas que à muito já tinha acabado – a vida daquela criança que podia ser o meu sobrinho. Hoje sei que nunca se procede a determinadas manobras antes de um corpo morto arrefecer. Nomeadamente de uma criança. Já lá vão mais de 10 anos.


2 - Como nem tudo é "mau" poderei falar do M. jovem tetraplégico de 20 anos que um dia quando eu perguntava aos meus colegas o que queriam para o jantar, encomendado do restaurante do lado, e porque o tinha feito na unidade alto e bom som, como se ninguém ouvisse, o M. estalou os dentes, único gesto que conseguia para chamar a atenção. Aproximei-me e tapei-lhe a traqueotomia e ele disse “ para mim é Bacalhau com Natas”. A discussão na Equipa foi mais que muita. Uns pelo dinheiro, outros porque os doentes têm dieta própria, outra por uma possível intoxicação alimentar, etc, etc, etc….. O certo é que a equipa reflectiu, ponderou, avaliou, considerou e o M. nesse dia comeu Bacalhau com Natas ainda hoje tenho dúvidas se fizemos bem, mas REFLECTIMOS, mas não tenho dúvidas que o M. ficou feliz e nada de grave aconteceu, caso acontecesse cá estaria para responder pela felicidade de um jovem doente. E espero bem que por uma decisão que ainda que não unânime, foi maioritária numa equipa que ponderou, “discutiu” e decidiu. Também aqui, já lá vão mais de 10 anos

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