quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

AUTOFORMAÇÃO EM CONTEXTO PROFISSIONAL



COUCEIRO, Maria do Loreto Paiva


Maria do Loreto Paiva Couceiro tem o Doutoramento em Ciências de Educação (Dezembro de 2000). Especialidade "Educação e Desenvolvimento" na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT/UNL) e na Universidade François Rabelais, Tours (França). Investigadora da Unidade de Investigação Educação e Desenvolvimento (UIED), da FCT/UNL, sendo coordenadora do Sub-Programa "Autoformação e formação experiencial", desde 2001. Docente no Cursos de Mestrado "Educação e Desenvolvimento" da FCT e colaboradora do Mestrado"Formação de adultos" da FPCE da Universidade de Lisboa, sendo orientadora de dissertações de Mestrado e doutoramento. Foi co-responsável pela concepção, organização e execução do Mestrado "Formação e Desenvolvimento Sustentável", realizado no Brasil, no âmbito de uma Convenção entre a Universidade Nova de Lisboa e a Université François Rabelais de Tours, 2002- 2004. No âmbito da Profissionalização em Serviço foi Orientadora Pedagógica e responsável pelo Módulo "Desenvolvimento Curricular" na FCTUNL.

Texto publicado na Revista Formar, Abril de 1995, Nº 14 – págs. 6 a 15, Lisboa.

A autora dedica este texto à “Autoformação em Contexto Profissional”. Questiona o actual modelo de formação “clássica”, considerando-o limitador da própria formação, por fixar um tempo, um lugar e uma acção/actividade, não se coadunando com a própria evolução do trabalho, que apela a uma renovação contínua de conteúdos, o que deverá implicar uma renovação também contínua das modalidades de formação.

Alterar a forma de “fazer” formação está evidenciada no Livro Branco da Comissão Europeia sobre “Crescimento, Competitividade e Emprego”, em que apela “… a uma formação que seja catalizadora de uma sociedade em mutação.” (pág.7). E esta formação terá como objectivos “… o desenvolvimento das capacidades de evoluir e agir num ambiente complexo, de “aprender a aprender” ao longo de toda a vida, de reconstruir permanentemente conhecimentos e saberes.” (pág. 7). A isto se poderá chamar autoformação.

A autoformação é uma prática colectiva que interliga tudo aquilo que nos rodeia, levando em conta as nossas vivências e os saberes junto dos outros. Implica uma enorme responsabilidade na própria formação.

Autoformação e correntes que a definem quanto à sua finalidade (Galvani):
- A perspectiva técnico-pedagógica (auto instrução) – aquisição de novas técnicas e informações;
- A perspectiva sócio-pedagógica (auto educação) – aprendizagem de metodologias;
- A perspectiva bio-epistemológica (autoformação) – a acção reflexiva do Sujeito, em que “… é a pessoa, na sua globalidade, o objecto da formação.” (pág.9).
Independentemente da finalidade, na autoformação o lugar central é dado à pessoa adulta, desafiada a assumir-se como sujeito do seu processo formativo.

Citando Lerbet (1981) a autora afirma que a autoformação “… trata-se de um sistema vivo que estabelece trocas com o contexto onde se insere.” (pág.10).

Quanto às funções da autoformação, a autora cita Mezirow e Pineau apontando para três aspectos que se intercruzam:
- Instrumental (para agir no meio e nos outros);
- Diagonal (para comunicar);
- Auto-reflexão (para se compreender a si próprio).

O desenvolvimento da Autoformação carece de controlo e Carré evidencia três tipos que estão interrelacionados entre si:
- Pedagógico (métodos, recursos e circunstâncias da formação);
- Psicológico (motivações, necessidades e projectos pessoais);
- Sociopessoal (conscientização).

A personalidade e o percurso de vida de cada pessoa são aspectos fundamentais para a predisposição dos indivíduos se autoformarem.

Para que o processo de autoformação resulte, formando e formador têm que ter em linha de conta:
- Negociação e construção de um projecto;
- A experiência vivida por cada um;
- A reflexão para articular os dois processos anteriores.

Finalmente a autora dá-nos o exemplo de autoformação no seio de uma empresa onde afirma que “Promover uma mão de obra que pensa, reflecte, que é capaz de resolução de problemas e não mera executora, é apostar no potencial humano como recurso fundamental da própria qualidade e desenvolvimento da empresa.”págs. 13 e 14

Refere ainda que devem ser as próprias empresas a fomentar programas tendo em vista a dinamização da autoformação.

Com este texto entendo que a autora coloca em causa o modelo organizacional de muitas instituições no que diz respeito à formação, mas como estamos a falar de autoformação, não “poderemos sacudir a água do nosso capote”, diariamente somos confrontados com situações formativas, que só o são, se perante elas conseguirmos ter uma reflexão crítica, se interrogarmos, se investirmos.A reperspectivação é fundamental depois do acto reflexivo.

Numa fase em que tanto nos queixamos, (ainda que com alguma razão), que perdemos autonomia por decretos-lei, convém lembrar que o percurso evolutivo do reconhecimento social e da verdadeira autonomia prática dos Enfermeiros surgiu por decreto (REPE), mas só após os Enfermeiros a terem feito vingar na prática.

Foi a afirmação autónoma dos Enfermeiros em contextos laborais que nos levou a uma série de evoluções profissionais desde 1975 até 2000 (desenvolvimento impar no panorama sócio-laboral das profissões em Portugal). Como diria Paulo Freire, os enfermeiros afirmaram-se “nos espaços de acção-reflexão”.

Ainda recentemente, numa situação de jejum de um doente para realização de um exame, este solicitou um pouco de água. A resposta mais corrente é não. Contudo a equipa decidiu reflectir….(até porque 30 minutos antes do exame administramos água com líquido de constaste). Para reflectir foi fundamental a pessoa em causa, a sua situação, o serviço, o território da acção. Reunimos saberes, partilhamos experiências, indagamos outros elementos da equipa multidisciplinar e reperspectivamos. Mudámos a prática naquele caso concreto. E como de pequenas coisas se constroem grandes mudanças, os passos continuam a ser dados no sentido da autoformação permanente, assente na reflexão e na grande vontade de continuarmos a ser “flexíveis, capazes de resolver problemas, de decidir e de agir num ambiente complexo” pág. 15.

Enfim, sermos ENFERMEIROS.

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